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O divórcio entre salários e produtividade.

Nada mais desejável para um país do que ganhos crescentes de remuneração. É o que está ocorrendo no Brasil. Os sindicatos laborais estão tirando proveito de uma demanda interna que ainda está aquecida combinada com uma clara falta de mão de obra.

Grande parte dos pleitos sindicais vem sendo atendida. Para os metalúrgicos do ABC, as empresas concederam aumento real de salários de 5% para os próximos dois anos. Para os metalúrgicos do Paraná, a Renault acertou aumentos reais de 2,5%, 3% e 3,5% para o período de 2001 a 2013, mais Participação nos Lucros e Resultados (PLR) de R$ 12 mil, R$ 15 mil e R$ 18 mil, além de um abono anual de R$ 5 mil, reajustável. Os metalúrgicos de São José dos Campos conseguiram aumento salarial de 10,8%, além do atendimento de várias cláusulas sociais.

Aumentos elevados são sempre bem-vindos quando acompanhados de ganhos de produtividade. Esse não é o caso, em especial, no setor manufatureiro. Um estudo realizado pelo Banco Central indicou que, entre 2007 e 2010, o salário real da economia em geral cresceu 11%, enquanto a produtividade aumentou apenas 3%.

O abismo é colossal e está se agravando. Os dados referentes ao primeiro semestre de 2011 para a indústria paulista revelam que a folha de salários aumentou 3,5% em termos reais, enquanto a produtividade subiu apenas 0,1% (fonte: Fiesp).

Esse descasamento é preocupante. Quando ocorre, as empresas são forçadas a aumentar os preços, a reduzir o lucro ou a diminuir a produção. Vários ramos do setor manufatureiro vêm enfrentando forte pressão dos concorrentes (interna e externamente), não havendo espaço para aumento de preços. Para eles têm sobrado as alternativas de reduzir o lucro ou desacelerar a produção.

Uma análise dos balanços das cem maiores empresas industriais mostrou que, em 2010, a lucratividade ficou estável em relação a 2009, que foi um ano de recessão. Ao retirar desse grupo a Petrobrás e a Vale, o lucro médio caiu 1,4% (fonte: Valor-Data). A persistir nessa trajetória, isso comprometerá os investimentos futuros e a geração de empregos.

É verdade que o Brasil continua a bola da vez no cenário mundial. Os americanos e europeus estão com inveja do que ocorre nestas bandas. Mas o quadro está mudando, dando sinais de desaceleração.

De julho a agosto de 2011, os estoques indesejáveis subiram de 6,5% para 9,5%. É intrigante ver que muitas das empresas que concederam aumentos generosos (em especial as montadoras) estão reduzindo a produção e concedendo folgas e férias antecipadas aos seus funcionários.

O crescimento do emprego também perde fôlego. Nos últimos dois meses foram gerados cerca de 340 mil empregos, ante 430 mil no mesmo período de 2010 - ou seja, 26% a menos. No setor manufatureiro, a redução do ritmo foi de 40%. O emprego industrial para 2011 deve crescer apenas 0,5%, bem abaixo dos 3,5% observados em 2010.

Com um quadro desse tipo, fica difícil entender a razão de reajustes tão elevados nas negociações coletivas e bem acima da inflação, que já está altíssima.

Teriam essas empresas uma margem de lucro tão grande que lhes permite aumentar as remunerações - impunemente - acima da produtividade? Ou estariam elas num beco sem saída por causa da forte escassez de mão de obra?

Se for o primeiro caso, elas poderão sobreviver enquanto durar a gordura. Se for o segundo, elas comprometerão o próprio quadro geral do emprego, porque, historicamente, primeiro, desaquece a indústria; depois, o comércio e serviços; e, por fim, o mercado de trabalho. Já há sinais de redução do ritmo de crescimento do emprego no varejo e nos serviços, assim como nas prefeituras e nos Estados.

Tudo isso é uma sugestão para ter mais realismo nas negociações salariais, pois em 2011 podemos estar gestando sérios problemas para 2012.

(*) Professor da FEA-USP, Membro da Academia Paulista de Letras, é Presidente do Conselho de Emprego e Relações do Trabalho da Fecomércio de São Paulo.



Fonte: O Estado de São Paulo